UM PADRE NO FACEBOOK
sábado, 30 de junho de 2018
41 - A INDÚSTRIA DOS VENENOS E A SANTÍSSIMA TRINDADE
sexta-feira, 2 de março de 2018
40 - O MELHOR ESCONDERIJO É ATRÁS DO CABO DE UMA VASSOURA
sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018
39 - A LUTA DE CLASSES À PORTA DO CAFÉ SAFARI
Diante da porta, como numa absurda homenagem ao cómico gordo, que tantas vezes ficara entalado, também aquela molhada estava incapaz de a franquear.
O Chefe Abrantes estabeleceu prioridades. Primeiro ele, depois o Padre, depois o Firmo, por fim o Canelas. Não sei se havia mais pessoas. Talvez o Cê, não? Mas como ficou claro, no episódio anterior, que a memória é apenas uma farsa e um instrumento de opressão, era o que me faltava que fosse agora preocupar-me com isso.
O gordo estava à porta (notem, porque pode não ser irrelevante, que, nesta história, há sempre portas...), deitado no chão, camisa aberta, o enorme bandulho saltando das calças, uma palidez cadavérica, que levou Abrantes a concluir: "Está, nomeadamente, morto de todo."
Inclinada sobre ele, encontrava-se uma bela rapariga. A Zé Pereira parecia ter engolido um guia de clichês, descrevendo-a: "Olhos azuis como opalas, pele leitosa, cabelos cor de trigo." Analisava o pobre homem, e preparava-se para lhe fazer a autópsia.
"Aqui?!", espantou-se o Firmo.
"Tem de ser. Não há tempo a perder", ouviu-se a uma voz de barítono, que impunha respeito.
Olharam para o proprietário da voz. Era realmente um proprietário. Um homem de um grisalho sofisticado, unhas tratadas, anel de brasão, boquilha, fato feito à medida.
"Fazer uma autópsia porque o homem, nomeadamente, comeu de mais, que diabo!?"
"Aí é que está", retorquiu a voz polida, com um quase imperceptível tom de ironia: "Não acredito que tenha sido um acidente. Ele não comeu de mais! As bifanas é que o comeram!"
"Prendemos então, nomeadamente, as bifanas-assassinas?", zombou Abrantes.
Formigal, observando o despique, terá pensado de si para si: Meu Deus! Isto é a ilustração, no particular, da luta de classes. Aposto em Abrantes, apesar de tudo. O futuro pertence-lhe.
"Não", respondeu o Conde. "As bifanas foram o instrumento do crime. E eis o assassino."
Um dedo impecável, de uma elegância inconcebível, esticou-se e apontou.
domingo, 4 de fevereiro de 2018
38 - A GRANDE MENTIRA DA MEMÓRIA E UM CÓMICO MORTO ATAFULHADO DE BIFANAS
sábado, 20 de janeiro de 2018
37 - UM EPISÓDIO ESCRITO SÉCULOS DEPOIS DO ÚLTIMO EPISÓDIO
Visto a t-shirt e mudo o meu modo de narrar. De repente, nesta diversa personalidade, quase um heterónimo, recordo-me do nome da proprietária do Safari. É Judite. Ou... hum... Laura?
Bem, deixemos isso.
O Abrantes pegou no Padre pelo cotovelo, no Firmo pelo braço, e levou-os à bruta para longe dali. Queria uma reunião em silêncio. Infelizmente, pela janela do gabinete para onde os levou, na esquadra, que não era longe do Safari, entravam ainda as inclementes fadistices do gordo, que com um auditório cada vez maior, decidiu que não se calaria tão cedo. Talvez fizesse daquilo profissão. Cantarolaria, um chapéu no chão para onde deixassem cair moedas, porventura um guitarrista.
"E quando a morte se foi", entoava o maganão, "do meio da multidão, reunida como uma praga, uma voz um tanto gaga, perguntava em contramão, ó morte, que apagas a vida mais sã, quando vens tu outra vez, virás hoje, ou amanhã, ou só no próximo mês?"
Vou prender este tipo, insurgia-se Abrantes.
Firmo Formigal mandou-o calar. Homem, disse-lhe. Isto é filosofia da mais pura. Há mais Heidegger num fado português do que em centenas de tratados sobre a sua obra.
Oiçam, impôs-se Chefe Abrantes. Eu estou preocupado, nomeadamente, com a série de crimes. Preciso do culpado. O resto não importa.
Nada disto tem o menor significado, sacudiu, o Padre, uma melancólica cabeça. Quando chegarem os Ellog, que estão aí à porta...
E nesse momento, a porta abriu-se.
segunda-feira, 26 de junho de 2017
36 - QUAL É AFINAL O NOME DA MULHER?
terça-feira, 13 de junho de 2017
35. AFIRMA PEREIRA
A inspectora Zé Pereira afirma que o Chefe Abrantes não chegou a ter tempo para desenvolver as suas ideias, porque o Padre, precisamente o Padre acerca do qual se falava, acabara entretanto de chegar ao Safari.
Afirma Pereira que se fez um silêncio confrangedor, que é o género de silêncio que se instala sempre que, quando se fala nas costas de uma «certa e determinada pessoa», sucede que, precisamente, a «certa e determinada pessoa» em causa aparece, de supetão, no lugar em que a conversa decorre.
Afirma Pereira que o que passou imediatamente pela cabeça do Chefe terá sido que, o seu desígnio, inesperadamente, e por obra dos astros, afinal se realizava. Ali estavam, pois, Cê, o Padre e Formigal, não propriamente numa sala de interrogatório, mas no Café Safari, onde eu próprio tantas vezes me deliciei com uns caracóis à Bulhão Pato, e... ai, cala-te boca, cala-te boca, pára de salivar, ó boca cheia de tantas e tão boas memórias, que ainda te arriscas a avariar aqui esta geringonça!
Afirma Pereira que a patroa, apanhada de surpresa, de faca na mão, pelo Padre, que ela não sabia que não era já um padre normal há muito tempo, se lhe ajoelhou aos pés, começando a chorar como uma Madalena.
Afirma Pereira que o Chefe interveio. (Pereira disse-me: «interviu».)
Afirma Pereira que, nomeadamente para aqui, nomeadamente para ali, o Chefe retirou a faca à senhora, sentou, com modos algo bruscos, o Padre numa cadeira, calou o Cê com nada mais do que um único e ferocíssimo olhar, tranquilizou o Formigal com a promessa de que poderia inventar, para a investigação em curso, o maior, o melhor, o mais criativo, o mais cúbico, o mais estapafúrdio (Pereira dizia: «espatafúrdio»), o mais eufórico, o mais glorioso, o mais louvável, o mais rico de todos os nomes de que o seu brilhante espírito fosse capaz.
Afirma Pereira que, quando o Chefe ia dar início ao seu discurso, à Poirot, o cómico gordo apareceu intempestivamente, a correr muito devagarinho, como apavorado; porém, não conseguia entrar pela porta. Cê levantou-se para o ajudar, enquanto Firmo Formigal, já inteiramente mergulhado em si próprio, não tinha ouvidos senão para as ideias que o seu tempestuoso e sublime cérebro disparava de si para si.
Afirma Pereira que, entalado na porta, o cómico gordo berrava: «Eles vêm aí! Eles vêm aí!»
Afirma Pereira que a patroa, de imediato, se reapoderou da faca, que o chefe pousara simplesmente sobre a mesa.
Afirma Pereira que alguém (ela não podia, por escrúpulo, precisar de qual deles se tratava, até porque não se encontrava «in loco») perguntou: «Mas quem diabo vem aí, criatura!?»
Afirma Pereira que, então, o Padre, por sua vez, se ergueu, de olhos iluminados como um profeta (ou, mais provavelmente, como um maluquinho), e disse:
«Os ellog. Chegaram os ellog!»