segunda-feira, 15 de junho de 2015

2. QUE O SR. PADRE NOS AJUDE!




Chamo-me Davoud, Sr. Padre. Lembra-se de mim? Foi o senhor que, com enorme bondade, me orientou quando eu andei tresmalhado do seu rebanho, completamente desorientado pelas inúmeras tentações da carne, que me saíam ao caminho a qualquer hora do dia e da noite, me abriam desmesuradamente as pupilas e me introduziam no cérebro uma vontade irascível de copular. Sempre fui extraordinariamente dotado para as palavras, podia escrever um livro a partir da minha fala, porque desde a infância que as frases me saem com a sintaxe e o vocabulário da escrita. Isso agrada às mulheres, perdão, Sr. Padre, às senhoras, assim é que devo falar, porque merecem o nosso respeito, como muito bem me ensinou.

Quando o procurei, naquele dia terrível em que senti a morte a lamber-me as tripas e a fazer de mim um calafrio, olhou-me compadecido, pousou-me a mão no ombro, sentou-me no banco de madeira da sacristia e ouviu-me durante horas. As palavras pareciam escoar todas as minhas frustrações para os seus ouvidos, libertando-me dos padecimentos, há muito tempo acumulados pela compulsão libidinosa que me assolara ao longo de meses. Durante toda a minha vida, tinha sido um fulano misógino, incapaz de criar intimidade significativa com as mulheres. Interessava-me apenas pela sedução superficial. E tinha muito sucesso nesse domínio, pois elas adoravam as pequenas atenções que lhes proporcionava, falavam do meu olhar meigo e enigmático, queriam perder os dias na minha proximidade.

Uma noite transformei-me. Tive aquele sonho, penso que se lembra de lho contar, e na manhã seguinte acordei como se me crescesse um vulcão nos testículos, como se o diabo abrasado se tivesse introduzido abusivamente no meu corpo e me soprasse furiosamente nas glândulas sexuais. O falo inchou e assim permaneceu, altaneiro, sôfrego, latejando pecaminoso perante qualquer mulher. Nenhuma amiga escapou ao meu desejo. Atraiçoei tudo e todos, arrisquei a vida, perdi a dignidade, fui corroído pela culpa. A pujança fálica era inesgotável, até doer, até aos espasmos.

Mas hoje não é de mim que venho aqui falar, Sr. Padre, é do meu primo, o Marcial, que bem conhece. Estou muito preocupado. Tudo começou há cerca de um mês. Estava com ele na sala, a ver um jogo de futebol, e reparei que tinha um ar pasmado, a olhar através da parede, para o infinito. Nunca mais foi o mesmo. Fala sozinho, mostrando sinais de demência, diz coisas ininteligíveis… Às vezes tenho a sensação de que pensa que existe mais gente em casa. Gostava muito que o Sr. Padre o chamasse aqui para conversar, fizesse com que ele se abrisse, como aconteceu comigo. É o meu único familiar e fomos criados juntos. Quando lhe assaltaram a casa e lhe mataram a mulher, os dois filhos e a sogra, ficou perdido durante anos, à deriva pelo oceano das dores. Parecia ter recuperado, desde que veio para minha casa. Mas estou muito apreensivo com esta nova faceta dele, Sr. Padre. Suplico-lhe que nos ajude.

Sem comentários:

Enviar um comentário