Chamo-me Davoud, Sr. Padre. Lembra-se de mim? Foi o senhor que, com
enorme bondade, me orientou quando eu andei tresmalhado do seu rebanho,
completamente desorientado pelas inúmeras tentações da carne, que me saíam ao
caminho a qualquer hora do dia e da noite, me abriam desmesuradamente as
pupilas e me introduziam no cérebro uma vontade irascível de copular. Sempre
fui extraordinariamente dotado para as palavras, podia escrever um livro a
partir da minha fala, porque desde a infância que as frases me saem com a
sintaxe e o vocabulário da escrita. Isso agrada às mulheres, perdão, Sr. Padre,
às senhoras, assim é que devo falar, porque merecem o nosso respeito, como
muito bem me ensinou.
Quando o procurei, naquele dia terrível em que senti a morte a lamber-me
as tripas e a fazer de mim um calafrio, olhou-me compadecido, pousou-me a mão
no ombro, sentou-me no banco de madeira da sacristia e ouviu-me durante horas.
As palavras pareciam escoar todas as minhas frustrações para os seus ouvidos,
libertando-me dos padecimentos, há muito tempo acumulados pela compulsão
libidinosa que me assolara ao longo de meses. Durante toda a minha vida, tinha
sido um fulano misógino, incapaz de criar intimidade significativa com as
mulheres. Interessava-me apenas pela sedução superficial. E tinha muito sucesso
nesse domínio, pois elas adoravam as pequenas atenções que lhes proporcionava,
falavam do meu olhar meigo e enigmático, queriam perder os dias na minha
proximidade.
Uma noite transformei-me. Tive aquele sonho, penso que se lembra de lho
contar, e na manhã seguinte acordei como se me crescesse um vulcão nos
testículos, como se o diabo abrasado se tivesse introduzido abusivamente no meu
corpo e me soprasse furiosamente nas glândulas sexuais. O falo inchou e assim
permaneceu, altaneiro, sôfrego, latejando pecaminoso perante qualquer mulher.
Nenhuma amiga escapou ao meu desejo. Atraiçoei tudo e todos, arrisquei a vida,
perdi a dignidade, fui corroído pela culpa. A pujança fálica era
inesgotável, até doer, até aos espasmos.
Mas hoje não é de mim que venho aqui falar, Sr. Padre, é do meu primo, o
Marcial, que bem conhece. Estou muito preocupado. Tudo começou há cerca de um
mês. Estava com ele na sala, a ver um jogo de futebol, e reparei que tinha um
ar pasmado, a olhar através da parede, para o infinito. Nunca mais foi o mesmo.
Fala sozinho, mostrando sinais de demência, diz coisas ininteligíveis… Às vezes
tenho a sensação de que pensa que existe mais gente em casa. Gostava muito que
o Sr. Padre o chamasse aqui para conversar, fizesse com que ele se abrisse,
como aconteceu comigo. É o meu único familiar e fomos criados juntos. Quando
lhe assaltaram a casa e lhe mataram a mulher, os dois filhos e a sogra, ficou
perdido durante anos, à deriva pelo oceano das dores. Parecia ter recuperado,
desde que veio para minha casa. Mas estou muito apreensivo com esta nova faceta
dele, Sr. Padre. Suplico-lhe que nos ajude.
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