sábado, 26 de setembro de 2015

10. THE MISSING LINK


     - Pois, é, meu caro - respondeu o Silveira. - Não duvido da tua história. É aliás extraordinária, e os pormenores mostram que não há aí nenhum embuste. O problema é que precisaríamos, então, de encontrar o «missing link», quero eu dizer a ponte que leva do «David» ao «Davoud», a passagem que explicaria essa transformação. Porque eu conheci o pai dele no Irão, aonde estive nos anos 80 como repórter. Era um homem que, apesar das suas três esposas, não tinha, à altura, qualquer filho. O que muito o entristecia. Tornámo-nos bons amigos. Era o meu guia. Oferecia-me chá e levava-me a sítios que nenhum estrangeiro alguma vez tocou. Mas os ansiados filhos deverão ter nascido entretanto, com um intervalo curto entre si, isto é, pensava eu que seriam seus filhos até tu lançares essa dúvida; porque o certo é que no fim dos anos 90 eu tinha dois jovens, um de uns 10 anos, outro de cerca de 14, surdo-mudo, à minha porta, em Lisboa, na Almirante Reis onde então vivia, com uma carta do pai, escrita em belíssimo português, que teimara em aprender desde que me conhecera e ensinara ao filho. Pedia-me encarecidamente que velasse pelos meninos, que lhes desse um futuro qualquer no, escrevia o tipo, «abençoado Portugal».

     Falei com o senhor Padre. O senhor Padre, que era um homem moderno, já usava computador e duche quando a maioria dos portugueses ainda olhava para isso com alguma desconfiança, e até fumava, acolheu os meninos e não descansou enquanto não lhes encontrou uma protectora, uma paroquiana dedicada, daquelas que catequizam crianças, arrumam o altar, fazem leituras na missa; mas não só: esta senhora, que era nobre e riquíssima - apesar de um marido ateu e convictamente anti-clerical - doava grandes quantidades de dinheiro para benefício da igreja. «Arruína-me por causa da padralhada!», queixava-se o marido, raro e paradoxal monárquico ateu.  
    
      A velhota era ríspida. Era rígida. E rija: aos 80 anos, nada de corcundas nem de achaques. Queria ganhar o céu através dos três meninos.
     - Três? - perguntei.
     - Sim. Ela já tinha à sua guarda o Marcial. Dava-lhes pequeno-almoço, almoço e jantar. Iam juntos à missa. Pô-los a estudar. O Davoud aprendia português a olhos vistos. (Se a tua história faz sentido, o farsante era português... mas que coisa!) O velho não aguentou. Morreu de um rebentamento na cabeça uma manhã de sol. Mas o pior veio depois. Penso que estás a par do resto da história!?

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