Duas
semanas depois do aparecimento do Ovni, o largo onde haviam colocado a estátua
de Camões, em Cascais, e que ficou conhecido pelo nome do poeta dos oxímoros,
transformou-se por completo, ganhando uma vivacidade nunca antes imaginada. Até
aí, os bares e as pastelarias que circundavam a praça trancavam-se no seu
interior, não lhes passando pela ideia a mínima suspeita de que podiam expandir-se
muito para além das portas, aproveitar a calçada portuguesa e o bom clima e
seduzir as gargantas e as carteiras de uma multidão sedenta do convívio
noturno.
Os
dois pubs mais conhecidos até à data
estavam ligados à inglesada, como revelavam os nomes: Jonh Bull e Beefeater. O
primeiro tinha um restaurante no piso superior, se bem me lembro, e era mais
conhecido por servir um bom bife de carne do lombo, cozinhado numa caçarola de
cobre e coberto com um molho de natas, apimentado. O segundo era decorado com
estofos coloridos, julgo que avermelhados, e estes tinham tanto fumo de tabaco
entranhado que apenas não padeciam de doença cancerosa por não possuírem
pulmões. Circulava por ele imensa cerveja, scotch, gin e cabeças a desviarem-se
de setas que fendiam o ar, atiradas para um alvo por clientes fanáticos do jogo.
Quinze
dias depois do espectáculo do objeto voador não identificado, dois iranianos
tomaram posse do Canal7, um bar sem história, adormecido ao lado do Jonh Bull, e
revolucionaram a praça. A receita foi simples: semear cadeiras e mesas pelo
largo, até aos pés da estátua de Camões, e ver como delas germinavam corpos de
todas as origens e feitios a fazerem escorrer cerveja pelas goelas até de
madrugada. Na noite em que abriu fui lá com a Angélica, que no final da noite
me garantiu que voltara a ver o OVNI, mas confesso que eu tinha bebido tanto
que não dei por nada.
O
impacto dos irmãos persas foi tamanho que rapidamente cresceu a lenda de que
havia sido a nave espacial a trazê-los, o que era quase o mesmo que dizer que, afinal, não eram exilados da revolução iraniana mas sim criaturas alienígenas. O mais
velho era bem nutrido de carnes e de bigode. O mais novo era alto, magro e
encurvado. Falo neles porque tenho pensado muito nesta questão dos pais do
Davoud e lembrei-me de um pormenor interessante: num dos fins de semana em
Versailles, o amigo do Pompílio falou num iraniano que vivia em Cascais e costumava
visitar o cônsul. Pela descrição que me fez, tenho andado a cogitar se não
seria o mais velho dos irmãos, e se não terá sido ele a trazer o Davoud para a região, depois do acidente que vitimou o casal de Aveiro.
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