O apartamento da Madalena
e do seu namorado turco tinha uma sala grande que dava diretamente para a porta
de entrada, três quartos, uma cozinha, uma casa de banho, um cheiro muito
esquisito que se entranhava na pele, o Cortes dizia que era uma mistura de odor
de freaks com vapores de haxixe, barulho infernal a entrar pelas frinchas das
janelas a qualquer hora do dia e da noite e uma passagem ininterrupta de
visitantes oriundos dos mais diversos lugares e portadores das mais palpitantes
esquisitices.
Parecia que meio mundo
tinha a chave da casa. Os visitantes entravam a qualquer hora e, em regra, não
ficavam mais do que um dia. O único frequentador quase permanente, além de nós,
era um belga chamado Patrick, que apenas se ausentava para ir buscar
carregamentos de haxe à fronteira, pois tratava-se de um dealer de excelente
reputação. Era um local relativamente perigoso, mas cheio de episódios
interessantes. Lembro-me de dois holandeses que vestiam sempre os mesmos jeans,
há meses, e que quando os tiraram para dormir estes ficaram em pé, lado a lado,
à espera dos donos na verticalidade, pois a sujidade sebosa que se entranhara
neles entesava-os de tal modo que não os deixava tombar. Recordo-me de um rapaz
com cerca de 10 anos de idade a olhar para nós enquanto comíamos um frango e a
gritar que éramos carnívoros e que por isso iríamos morrer muito cedo, o pai
dele não comia carne, só vegetais, tofu, seitan, rebentos de tudo e mais alguma
coisa, e por isso tinha muita força, era o homem mais forte do mundo. Alguém nos
disse, no dia seguinte, que o referido pai estava tuberculoso.
No apartamento em frente
ao nosso vivia uma mulher ainda nova e até bonita, mas que apresentava um
comportamento também digno de registo. Todos os dias batia à nossa porta, abríamos
e ela entrava, com o cabelo muito comprido e a escorrer água, “La télé? Elle fonctionne?” perguntava ela,
dava uma volta pela sala, nós não tínhamos televisão nenhuma, “Non, elle
fonctionne pas!” concluía pesarosamente, encaminhava-se para a porta e saía.
Podia ficar aqui a tarde
toda a contar as nossas experiências incríveis nessa casa, mas vou avançar para
o que interessa. Um dia andávamos a passear no Jardin du Luxembourg quando um homem ainda novo, de estatura
poderosa, com uma barba imponente e uma voz possante, ainda hoje me faz lembrar
a figura de Zeus, estacou à nossa frente e nos perguntou se éramos portugueses.
Tratava-se do Pompílio. Falámos com ele durante cerca de uma hora. No dia
seguinte tocou-nos à porta.
“Agarrem nas vossas coisas e venham comigo, para minha casa.
Já falei com a minha mulher. Isto não é lugar para vocês.”
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