domingo, 9 de agosto de 2015

8. UMA MULHER DE CABELO A ESCORRER, UNS JEANS SEBENTOS, UM TUBERCULOSO VEGETARIANO E A FIGURA DE ZEUS.



O apartamento da Madalena e do seu namorado turco tinha uma sala grande que dava diretamente para a porta de entrada, três quartos, uma cozinha, uma casa de banho, um cheiro muito esquisito que se entranhava na pele, o Cortes dizia que era uma mistura de odor de freaks com vapores de haxixe, barulho infernal a entrar pelas frinchas das janelas a qualquer hora do dia e da noite e uma passagem ininterrupta de visitantes oriundos dos mais diversos lugares e portadores das mais palpitantes esquisitices.

Parecia que meio mundo tinha a chave da casa. Os visitantes entravam a qualquer hora e, em regra, não ficavam mais do que um dia. O único frequentador quase permanente, além de nós, era um belga chamado Patrick, que apenas se ausentava para ir buscar carregamentos de haxe à fronteira, pois tratava-se de um dealer de excelente reputação. Era um local relativamente perigoso, mas cheio de episódios interessantes. Lembro-me de dois holandeses que vestiam sempre os mesmos jeans, há meses, e que quando os tiraram para dormir estes ficaram em pé, lado a lado, à espera dos donos na verticalidade, pois a sujidade sebosa que se entranhara neles entesava-os de tal modo que não os deixava tombar. Recordo-me de um rapaz com cerca de 10 anos de idade a olhar para nós enquanto comíamos um frango e a gritar que éramos carnívoros e que por isso iríamos morrer muito cedo, o pai dele não comia carne, só vegetais, tofu, seitan, rebentos de tudo e mais alguma coisa, e por isso tinha muita força, era o homem mais forte do mundo. Alguém nos disse, no dia seguinte, que o referido pai estava tuberculoso.

No apartamento em frente ao nosso vivia uma mulher ainda nova e até bonita, mas que apresentava um comportamento também digno de registo. Todos os dias batia à nossa porta, abríamos e ela entrava, com o cabelo muito comprido e a escorrer água, “La télé? Elle fonctionne?” perguntava ela, dava uma volta pela sala, nós não tínhamos televisão nenhuma, “Non, elle fonctionne pas!” concluía pesarosamente, encaminhava-se para a porta e saía.

Podia ficar aqui a tarde toda a contar as nossas experiências incríveis nessa casa, mas vou avançar para o que interessa. Um dia andávamos a passear no Jardin du Luxembourg quando um homem ainda novo, de estatura poderosa, com uma barba imponente e uma voz possante, ainda hoje me faz lembrar a figura de Zeus, estacou à nossa frente e nos perguntou se éramos portugueses. Tratava-se do Pompílio. Falámos com ele durante cerca de uma hora. No dia seguinte tocou-nos à porta.

“Agarrem nas vossas coisas e venham comigo, para minha casa. Já falei com a minha mulher. Isto não é lugar para vocês.”

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