domingo, 31 de maio de 2015

1. UM DUELO DE HOMENS BONS

                                                           

1.


Pressinto uma ideia de duelo, mas não é propriamente um duelo.
Ele e eu estamos face a face; fitamo-nos com demasiada força. Aponta-me uma arma [aponta-ma, mas para onde em mim? se disparasse, em que órgão acertaria?] e eu aponto-lhe uma arma.
Estamos a um fio de que algo se precipite, e o fio em que nos sustentamos, imóveis e sós no mundo, é olharmo-nos. Os nossos olhos acertam, esses sim, fluentemente nos olhos um do outro.

Não quero disparar. Mas, então, como hei-de eu sair desta situação sem me deixar matar?
Podia ser um sonho. É tudo muito incredível para que esteja realmente a acontecer.

Daqui a duas horas, ou três, ou quatro, se entretanto eu não acordar – ah, eis pois porque a hipótese do sonho me não convence: este tempo tem a consistência e a duração do tempo real – a nossa fadiga será extrema; terei cãibras; não me atrevo a baixar a pistola enquanto ele não baixar a sua. Mas suponho que Davoud raciocine da mesma forma. Não deporá a sua. Porque não quer? Para não se tornar vulnerável? Diacho de situação: como chegámos a este ponto?
E se eu dissesse alguma coisa?
«Senhor, oiça, esta situação é insuportável. Vamos os dois colocar as pistolas no chão? À vista? Ao mesmo tempo, e com movimentos muito vagarosos?»

Não me arrisco a falar – sempre fui um homem muito tímido.

Para se perceber como viemos dar a este ponto morto da vida é importante que vos conte como a minha casa – que, realmente, nem minha era, pois que um amigo ma havia emprestado para eu viver durante um ano –, retomo: vos conte como a casa onde eu vivia foi invadida e ocupada por aquela família. Por Davoud, sua mulher e filhos, os pais dela, o irmão dele.

Vem-me à memória a primeira vez que os vi juntos.