segunda-feira, 27 de julho de 2015

5. O MEU IRMÃO NÃO MATEI EU


O meu irmão não matei eu. Isso é certo e seguro como uma ponte portuguesa.
Já a negação da minha nacionalidade tem muito que se lhe diga. Agora, que os meus paizinhos não sejam iranianos, mas portugueses que ostentam os nomes de Pompílio e de Iracema - ou seriam, antes, brasileiros, sobretudo a senhora...? -, isso poderia ser verdade. Porque o meu pai sempre me disse que não era meu verdadeiro pai. Mas Pompílio?

Entramos todos no automóvel velho. Ou seja: como não cabemos no interior, de onde os bancos traseiros foram retirados para levarmos objectos que tencionamos vender - duas mesas, um candeeiro, uma cómoda pequena e alguns quadros -, a família tem de ir numa banheira que transportamos no tejadilho. Enquanto empurro o Silveira lá para cima, para a banheira, ele pergunta-me:
«Mas a polícia deixa o carro ir nestes preparos?»
Hilariante Silveira. Como se eu pudesse cruzar-me com a polícia! Como se, acontecendo isso, não tivesse de acelerar numa fuga acima dos 200 km/h (que o carro não atingiria, mas isso é outra história)! Como se eu pudesse correr o risco de ser interceptado, sem carta de condução, transportando gente numa banheira amarrada ao tejadilho, já para não falar do mobiliário e dos quadros roubados.

«Para onde seguimos?», pergunto, aos gritos, sentado ao volante.
«Para a igreja. O padre quer falar contigo!»
Arranco. Segunda. Não paro no stop. Terceira.
«E que história é essa do meu irmão?», grito em direcção à banheira.
«Hã!?»
Muito vento. Ponho a cabeça de fora e repito:
«Que aconteceu com o meu irmão!?»
«Mataste-o?» (Pergunta-me ou responde-me o Silveira?)
«Está morto?», pergunto eu.
«Não te oiço. Já falamos!»