UM FRANGO, UM
CHIFRE E SONHOS PREMONITÓRIOS
Quem diabo está a tocar à campainha?! Porra! São onze
horas da manhã de um sábado e não me deixam ter descanso? Comandita do inferno!
Deve ser aquele maluco do Silveira, esgrouviado do caraças, anda por aí a
inventar coisas sobre mim e o padre e ainda tem a lata de me acordar de
madrugada! Ele que espere, filho da mãe! Estou cansado, a minha noite foi, como
todas, cheia de pesadelos intermináveis, cenas pavorosas de que, felizmente, me
esqueço na maior parte dos casos. Todas as noites é a mesma coisa, o estúpido
do cérebro entra em modo masoquista, espatifando-me a tranquilidade. Gosto
desta frase, repito-a imensas vezes para mim próprio e para os outros.
Às vezes tenho pesadelos com coisas que vão mesmo ocorrer
e isso entolece-me. Na noite em que a minha querida mãe adotiva morreu, por
exemplo, sonhei que estava a ser assassinada. De manhã descobri que aquilo
tinha mesmo acontecido: uns ladrões, que nunca foram apanhados, entraram em
casa enquanto dormíamos, roubaram as joias que ela guardava no quarto e
cortaram-lhe a garganta. A única diferença é que no meu sonho o ladrão era eu e
ao meu lado estavam o Stop e o Marcial. Lembro-me de que na noite anterior
tinha tido um pesadelo com o galináceo mais famoso da história da humanidade: o
frango Mike. O bicho faz parte da elite do manancial de personagens bizarras e
violentas que edificaram o grande povo americano. O dono decepou a cabeça do
animal para fazer uma patuscada de fim de semana, mas o desgraçado era daqueles
que nunca aceitam aquilo que lhes querem dar, que neste caso era a morte, e
continuou vivo e de boa saúde, tirando o facto de não ver, ouvir — há quem diga
que ficou com uma das orelhas — e cheirar. Até penso que era mais feliz por não
ter estas sensações, pois aquilo que entra pelos ouvidos, pelo nariz e pelos
olhos de um pinto de capoeira ou de aviário está muito longe ser agradável. O
resiliente descabeçado fez as delícias do sadismo jornalístico da época,
sobrevivendo dezoito meses, esgravatando, duplicando o peso e fortalecendo a
fortuna do dono, que o mimava com papinha de leite e cereais.
Aquele fedorento continua a tocar! Vândalo, centopeia ranhosa,
escroto murcho!
As premonições dos meus pesadelos são muito frequentes.
Uma vez sonhei com a Madame Dimanche, uma aristocrata francesa do século
dezanove a quem cresceu, a partir dos setenta e seis anos, um chifre que
atingiu vinte e cinco centímetros de comprimento. O ser humano é, neste aspeto,
muito semelhante ao rinoceronte: quando a pele decide destrambelhar-se a queratina
eleva-se e forma preponderâncias corniformes pujantes. No meu sonho vi,
claramente, o chifre da Madame Dimanche ser enfiado, abusivamente, no pescoço
do meu vizinho idoso do 5.º andar, por um gatuno que lhe entrara no
apartamento. No dia seguinte vim a saber que o velho fora mesmo assaltado e
morto, com um pequeno chifre de rinoceronte espetado na traqueia, por causa de
umas notas que tinha debaixo da mesa-de-cabeceira. A única diferença foi que no
pesadelo era eu o gatuno homicida, mas isto é um pormenor.
Esta noite sonhei que estava a olhar-me ao espelho na
casa de banho e que, de repente, me transformei no Marcial. Desviei os olhos,
horrorizado, porque o meu primo é muito feio, mas quando tornei a fixar o vidro
estava com a aparência do Padre — até me benzi, eu que nem sou religioso. Se
foram premonições, o que irá acontecer? Será que eles vão ter algum acidente? Deus queira que não,
mas também não vou maçar a cabeça a pensar nisso, um é feio como um bafo de
baleia e o outro é um criminoso disfarçado de santinho. Que se lixem!
Aquele javardo pestilento e focinhudo continua a tocar.
Tenho de abrir. Maldito selvagem!
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