segunda-feira, 26 de junho de 2017

36 - QUAL É AFINAL O NOME DA MULHER?


Os que lerem este processo documental sobre a insólita experiência do morticínio que assolou esta terra dar-se-ão conta de que, quando o narrador, que sou eu, escreve para clarificar a sequência, utiliza estilos de discurso muito diferentes, mas, de fato, sou sempre um e, de t-shirt, outro, mudo a minha forma de escrever de acordo com o vestuário que uso, e também penso de maneira muito diversa, e vejo coisas, às vezes até me parece que sou mais do que uma pessoa, sempre me aconteceu isto, chegaram a dizer que eu era esquizofrénico, a gente sofre muito nesta vida, às vezes são todos em cima, a picar, a picar, e ninguém acredita em nós se nos queixamos.
Segundo afirma Pereira, a inspetora, quando a patroa do Safari, a dona Isilda, ou Laura, enfim, um nome parecido com estes, ouviu o padre dizer que vinham lá os Ellog, franziu o sobrolho
— Se vêm, batem com o nariz na porta. Hoje quero fechar mais cedo.
O Chefe Abrantes revoltou-se, pois estava a ver o fio da sua investigação partir-se com a má vontade da Hirondina, a patroa do Safari, ou Laura, não sei bem.
— Que raio! Então isto está sempre aberto, indevidamente, diga-se em abono da verdade, até às duas da manhã e hoje, que está a abarrotar de clientes, nomeadamente, vossemecê quer fechar o café às onze? Deixe-se de tretas, guarde a faca e vá para dentro fazer negócio.
Nessa altura a Guilhermina, ou Hirondina, ou Laura, não me lembro bem do nome, mas isso não é importante, confessou que queria fechar mais cedo porque o Virote, que era de Miranda do Corvo e tinha cara de osga, estava em casa dela a cozinhar negalhos, um petisco feito na sua terra, com tripas de cabra aos pedacinhos a encher o bucho do mesmo animal, uma iguaria que ele, na sua ingénua bazófia transmontana, garantia ser a melhor do universo.
Irra! — Rosnou o Abrantes. — Deixe os namoricos para mais tarde, senão ainda mando fechar isto nomeadamente, pois não tem condições.
A mulher achou por bem não afrontar a autoridade e encaminhou-se para a porta. Porém, viu que esta estava atravancada pelo cómico F. Mendes, entalado por causa do bandulho cheio de febras de porco.
— Tirem-me daqui este emplastro! — Rosnou.
O pessoal que se encontrava dentro da tasca empurrou brutalmente o gordo e este desencaixou-se, caindo e rolando pela calçada. Levantou-se como se tivesse molas e desatou a cantar.
“Na estrada do ribeirão, faleceu um cão, de patas para o ar, passou lá o frei João e julgou que o cão estava a rezar, deitou joelhos ao chão e maravilhado pôs-se em oração, e perdeu toda a noção, foi atropelado por um camião.”
— Irra! — Gritou o Chefe. — Como é que se pode investigar o que quer que seja, nomeadamente porra nenhuma?
O cómico pôs-se a dar voltas, ostentando um equilíbrio do caraças e, como já tinha uma grande audiência de olhos avinhados e de sorrisos fumarentos, decidiu cantar um fadinho em honra do senhor padre, que o tinha acompanhado na comezaina.
“Na igreja da Conceição, estava um padre no sermão, quando a morte apareceu, levou o padre pela mão, deitou-lhe o corpo no chão, coitadinho faleceu. O povo, escandalizado, protestou indignado pelo fim da pregação: morte não sejas assim, leva esse padre no fim, deixa acabar a oração. Ao ver tanta devoção, a morte trouxe-o pela mão, pra fortalecer a fé. Quando acabou o sermão, deitou-o de novo ao chão, foi aplaudida de pé.”
— Vivam os ellog, senhor padre! — Gritou o cómico, depois do fado.
Olharam todos em volta e não viram sinal do sacerdote, para desconsolo do Abrantes. O Firmo Formigal tecia considerações metafísicas sobre a situação. O Jacinto do Cê recusava bater palmas ao cantor, a dona do Safari, talvez afinal se chame Marcolina, não sei bem, resmungava que queria ir comer os negalhos do Virote…

— Vamos mas é embora deste inferno! — Exclamou o Chefe, exasperado pela balbúrdia da investigação que, nomeadamente, não era investigação nenhuma.

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