sexta-feira, 2 de junho de 2017
33. O INTELECTUAL
O Chefe Abrantes andava confuso. E profundamente ansioso.
Ouvia o Cê, por um lado (a falar-lhe nos donos disto tudo), e começou a pensar que este mundo era realmente muito complexo! Por outro lado, havia o padre, que se intitulava o Papa de uma estranha organização, dessas que profetizam apocalipses; e que dizer dos assassinatos por solucionar? E do seu IRS por preencher? E dos problemas com o seu filho, que andava pelos caminhos da perdição - concretamente, ligado a uma organização de tráfico de bananas da Madeira? E tudo, e tudo?
Por essa altura, teve a genial ideia de recorrer a Firmo Formigal.
Firmo era um intelectual. Tendo-se licenciado em Filosofia, coitado! e não encontrando emprego no melancólico mercado de trabalho português, onde os lugares para filósofos não abundam propriamente, acabara por aceitar uma posição na polícia. A posição era: sentado. Ao menos isso.
Nunca se pensou que Firmo Formigal tivesse as qualificações para singrar na polícia. Mas a verdade é que aconselhava agentes stressados; escreveu uma sebenta de psicologia, por onde os formandos tinham de estudar coisas relacionadas com: 1. lidar com pessoas; 2. detectar, pela expressão do rosto e pela mímica, quando o interrogado era inocente ou culpado. [Por exemplo: se a pessoa principiava a suar, estava com certeza a mentir, a não ser que suasse - há sempre excepções - mesmo que estivesse a ser sincero!]; 3. etc.
Mas o grande, grande, grande triunfo de Firmo Formigal, foi a criatividade demonstrada na invenção de nomes de difíceis e megalómanas operações. Oh, meu Deus! Rendamo-nos ao humor e à subtileza. Lembram-se de «Operação Apito Dourado»? Foi ideia dele. «Operação Irmãos Metralha»? Dele. «Limpeza de Pele», «Operação Bombokas», «Operação Ide Passear e Beber água»? Dele, dele, dele.
Chefe Abrantes foi, pois, aconselhar-se.
Encontrou-o a beber uma água sem gás, enquanto relia uma passagem particularmente confusa de Sein und Zeit. Lá estava Firmo, sempre sentado. Grisalho, barbudo, magríssimo, com a pele pouco cuidada.
A ideia de Chefe Abrantes resumia-se, se ouso assim exprimir-me, ao seguinte disparate: reunir o padre louco e o eminente Cê numa sala de interrogatório - para quê? Não me interessa, o próximo escritor que descalce a bota! -, sob o olhar perscrutador de Firmo Formigal, o intelectual. Ele que o ajudasse.
Se a isto se pudesse acrescentar um nome sonante para a operação em curso, seria ouro sobre azul.
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